NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES

A família vem passando por uma série de transformações e mudanças ao longo da história, principalmente a partir dos ideais da Revolução Francesa e da Revolução Industrial. São influências sociais, econômicas, culturais, políticas e religiosas.

As configurações se alteraram, modificando as relações familiares e sociais. Há redução do número de filhos, o divórcio é uma realidade e a nova configuração requer cuidado, carinho e compreensão.

Você tem um irmão? Para muitas pessoas a resposta a essa pergunta não exige explicações aprofundadas. Em geral, cabe dizer, sim ou não. E a resposta pode ser assim: "Depende, diz um garoto de nove anos. Se a gente pensar na família formada por mim, meu pai e minha mãe, eu não tenho. Agora, se falar do meu pai e da nova mulher dele, eu tenho uma irmãzinha. Na família de minha mãe e do marido dela, eu tenho um irmão e mais uma irmã. Mas se você contar também o filho do marido dela, bom, aí ao todo eu tenho quatro". Essa resposta não está distante da realidade de muitas outras crianças.

Do ponto de vista psicológico, podemos dizer que a família humana é uma estrutura de cuidado. E cuidar não se limita a alimentar e proteger; implica também socializar, permitir que alguém se desenvolva como um membro do seu grupo social. A função do cuidador consiste primeiro em estar disponível e pronto a atender quando solicitado e, segundo, intervir quando aquele a quem se cuida parece estar prestes a se meter em apuros, além de impor também limites e normas de convivência social e familiar.

As mudanças na família são ideológicas (a democracia e a igualdade de relações) ou estruturais (a saída da clandestinidade e os diversos arranjos). Há, também, as mudanças macroeconômicas e políticas (ampliação dos serviços e consumo, trabalho da mulher, competição global, o desenvolvimento científico, o clima político favorecendo a igualdade de direitos e enfatizando a realização pessoal).

A família moderna, também chamada nuclear ou conjugal, surgiu com a ascensão da burguesia industrial, produzindo — e também como produto — de grandes mudanças psicológicas. Desenvolveu-se com base no modelo de casamento definido pela livre escolha e tornou-se o núcleo de afeto e proteção. Por séculos foram mantidas características como hierarquia e submissão feminina. Preponderava a complementaridade de papéis, que se acreditava sustentar o desenvolvimento infantil saudável: o homem era o provedor, responsável pelo espaço público, e a mulher, a cuidadora, encarregada da vida particular.
Essa configuração permaneceu até meados da década de 1960, quando passaram a ser questionados os domínios, a divisão de trabalhos e os papéis conjugais cristalizados. As relações com os filhos se tornaram democráticas. Surgiram as famílias "pós-modernas".

Essas novas configurações também começaram a interferir no número de filhos, que foi decrescendo ao longo dos anos. Começou a surgir a geração dos filhos únicos. Ter filho único é um fato corrente e no futuro ter tios e primos será uma raridade. Relacionamentos que aconteciam dentro da família acontecem e acontecerão com mais freqüência fora da família, que começa a perder seu círculo fechado.

Mas com ou sem irmãos o grande desafio continua sendo o mesmo: compartilhar a vida. Essa é também a saída necessária à superação do desamparo inerente à condição humana. Surge daí o paradoxo: para ser autônomo é preciso, antes, ter sido dependente. Em outras palavras, a possibilidade de ser sujeito do próprio desejo exige ajustamento à presença do outro.

Até aí nada de novo: sempre foi assim no espaço privado da família, O inusitado está na velocidade com que se transformam hoje os relacionamentos familiares e seus inúmeros arranjos. Essa multiplicidade pode revelar fragilidade na configuração das relações, mas, em certo sentido, permite também a expressão da afetividade livre das exigências sociais — como os investimentos recíprocos da amizade que independem da manutenção formal de certos vínculos.

A intimidade familiar também vem passando por mudanças consideráveis e importantes. Freud enunciou que o psiquismo humano se apóia no corpo que faz fronteira com o ambiente sociocultural e nele se incorpora. Cada pessoa é nomeada e se identifica pelo contorno do corpo e faz o limite entre o eu e o outro. É como se a família fosse um corpo que também estabelece limites entre si em que há intimidade e limite.

Até o século XV a idéia de família como temos atualmente era desconhecida. A vida particular era rechaçada na Idade Média, o grupo familiar reunia vários membros que moravam juntos e, não raro, vários casais compartilhavam a mesma propriedade, num aglomerado indiscriminado agrupado por laços de sangue e afinidade. As crianças podiam ser acolhidas ou repreendidas por qualquer um, e a responsabilidade não se restringia aos pais. A família conjugal é um fenômeno da modernidade e só no século XIX ela assume tarefas e se vê na obrigação de atender expectativas que, anteriormente, eram imputadas ao Estado ou à comunidade. Foi-se privilegiando a intimidade do lar.

Na sociedade contemporânea cabe aos pais preencher o vazio afetivo e responder a todas as necessidades dos filhos. E a família vai se interiorizando cada vez mais e cria um espaço para o cultivo de segredos familiares.

Com a Revolução Industrial e o crescimento das cidades, a vida se privatiza em vários aspectos. Os espaços dedicados ao convívio comum reduziram-se e os quartos foram ampliados e mobiliados segundo as características de cada família e de seus membros, passando a ser o local privado de cada um. Há falta de espaço comum para o encontro da família. Dentro do próprio lar os espaços foram se individualizando. Os quartos passaram a ser pequenas residências dentro da grande residência com televisão, computador e outros objetos além da cama e do roupeiro, onde os membros passam a maior parte do tempo reservando pouco ou pouquíssimo tempo para o convívio familiar. Muitas vezes cada um faz as refeições em sua "residência" diante da televisão ou do computador. E a sala de refeições e a cozinha, espaços que seriam para o convívio familiar, para a troca de experiências e para a manifestação de sentimentos e de partilha, ficaram vazias.

Assim a vida em comum tornou-se cada vez mais restrita, e as pessoas refugiaram-se na intimidade do lar. Este quadro, sem dúvida, pode ser revertido. Para que isto aconteça, cabe aos responsáveis pela família um apelo de valorização do sacramento matrimonial, da reconstrução dos lares, da redescoberta do bem ao redor da mesa, da reconquista do diálogo, da oração e do perdão. A família será o que fizermos. Acredite e valorize o seu lar.

Fonte: http://www.alphaeomega.org.br/revista/materias.php?id=98